Como se chama o que renasce das cinzas? 
A mitologia nos apresenta uma ave fabulosa 
que durava muitos séculos e, queimada, 
renascia das próprias cinzas. 
Há variações que acrescentam que, 
além do renascer, essa ave tinha 
a capacidade de pressentir o cheiro de um 
fim, e ia ao seu encontro, jogando-se 
contra o fogo para que se cumprisse 
o seu destino.

Phoenix é o nome da ave.
E humanamente, como chamamos quem 
renasce de si?

Como chamamos quem pressente o cheiro 
de um fim e se lança mortalmente ao encontro 
deste com bravura, dor, coragem, medo, tristeza, lamento, altivez, tontura, com toda sua bagagem, ao encontro do que lhe espera, porque o sabe inevitável e ao inevitável não se pode fugir?

Como chamamos quem sobrevive a si 
para ensinar aos outros que é 
possível renascer?

Como chamamos quem exerce amor 
como prática de vida e morrendo em sua 
sina revive porque o semelhante precisa 
dessa ressurreição?

Como chamamos quem expõe suas dores, 
seus medos, seus temores, com naturalidade 
e sabedoria contumaz porque é assim que tem 
que ser ?
Não sei.

E a Phoenix pousou sobre meu inconsciente.
É que nesse mundo, 
meu feito mais constante é o de observar.

Do que vejo e sinto, escrevo.
Mas por agora, me perdoe, 
não sei denominar.

Não sei nem mesmo como chamar 
esse estado que se adquire, 
essa capacidade, não de sobreviver 
às intempéries, mas de renascer da 
morte dos próprios sonhos.

Mas sei que é possível.
E vejo Phoenix sobrevoando o mundo 
do renascer.

A fábula e a vida real dançando juntas. 
A primeira é a mestra, a segunda a aluna.

E assim como a ave mitológica que tenta 
ensinar a recolher o pó da combustão de 
nossas substâncias essenciais porque será dele 
que virá a nova vida, precisamos ir ao nosso encontro.

Precisamos virar a esquina do pesadelo 
com a consciência clara de que de nossas 
cinzas nos faremos vida e de novo sonho.

Não sei como chamar quem renasce das 
próprias dores e do próprio fim.

E renasce sempre melhor e mais belo.
Mas tenho cá comigo a intuição de que 
se chama GENTE.

E é com essa GENTE que eu quero 
aprender a viver.

Meus avós já estavam casados há mais de cinqüenta anos e continuavam jogando um jogo que haviam iniciado quando começaram a namorar. A regra do jogo era que um tinha que escrever a palavra “Neoqeav” num lugar inesperado para o outro encontrar e assim quem a encontrasse deveria escrevê-la em outro lugar e assim sucessivamente.

Eles se revezavam deixando “Neoqeav” escrita por toda a casa, e assim que um a encontrava era sua vez de escondê-la em outro local para o outro achar.

Eles escreviam “Neoqeav” com os dedos no açúcar dentro do açucareiro ou no pote de farinha para que o próximo que fosse cozinhar a achasse. Escreviam na janela embaçada pelo sereno que dava para o pátio onde minha avó nos dava pudim que ela fazia com tanto carinho.

“Neoqeav” era escrita no vapor deixado no espelho depois de um banho quente, onde a palavra iria reaparecer depois do próximo banho.

Uma vez, minha avó até desenrolou um rolo inteiro de papel higiênico para deixar “Neoqeav” na última folha e enrolou tudo de novo.

Não havia limites para onde “Neoqeav” pudesse surgir.

Pedacinhos de papel com “Neoqeav” rabiscado apareciam grudados no volante do carro que eles dividiam.

Os bilhetes eram enfiados dentro dos sapatos e deixados debaixo dos travesseiros.

“Neoqeav” era escrita com os dedos na poeira sobre as prateleiras e nas cinzas da lareira. Esta misteriosa palavra tanto fazia parte da casa de meus avós quanto da mobília. Levou bastante tempo para eu passar a entender e gostar completamente deste jogo que eles jogavam. Meu ceticismo nunca me deixou acreditar em um único e verdadeiro amor, que possa ser realmente puro e duradouro.

Porém, eu nunca duvidei do amor entre meus avós.

Este amor era profundo. Era mais do que um jogo de diversão, era um modo de vida.

Seu relacionamento era baseado em devoção e uma afeição apaixonada, igual as quais nem todo mundo tem a sorte de experimentar. O vovô e a vovó ficavam de mãos dadas sempre que podiam.

Roubavam beijos um do outro sempre que se batiam um contra outro naquela cozinha tão pequena. Eles conseguiam terminar a frase incompleta do outro e todo dia resolviam juntos as palavras cruzadas do jornal. Minha avó cochichava para mim dizendo o quanto meu avô era bonito, como ele havia se tornado um velho bonito e charmoso.

Ela se gabava de dizer que sabia como pegar os namorados mais bonitos.

Antes de cada refeição eles se reverenciavam e davam graças a Deus e bençãos aos presentes por sermos uma família maravilhosa, para continuarmos sempre unidos e com boa sorte.

Mas uma nuvem escura surgiu na vida de meus avós: minha avó tinha câncer de mama. A doença tinha primeiro aparecido dez anos antes.

Como sempre, vovô estava com ela a cada momento.

Ele a confortava no quarto amarelo deles, que ele havia pintado dessa cor para que ela ficasse sempre rodeada da luz do sol, mesmo quando ela não tivesse forças para sair.

O câncer agora estava de novo atacando seu corpo.

Com a ajuda de uma bengala e a mão firme do meu avô, eles iam à igreja toda manhã. E minha avó foi ficando cada vez mais fraca, até que, finalmente, ela não mais podia sair de casa. Por algum tempo, meu avô resolveu ir à igreja sozinho, rezando a Deus para zelar por sua esposa. Então, o que todos nós temíamos aconteceu.

Vovó partiu.

“Neoqeav”foi gravada em amarelo nas fitas cor-de-rosa dos buquês de flores do funeral da vovó.

Quando os amigos começaram a ir embora, minhas tias, tios, primos e outras pessoas da família se juntaram e ficaram ao redor da vovó pela última vez.

Vovô ficou bem junto do caixão da vovó e, num suspiro bem profundo, começou a cantar para ela.

Através de suas lágrimas e pesar, a música surgiu como uma canção de ninar que vinha bem de dentro de seu ser. Me sentindo muito triste, nunca vou me esquecer daquele momento. Porque eu sabia que mesmo sem ainda poder entender completamente a profundeza daquele amor, eu tinha tido o privilégio de testemunhar a beleza sem igual que aquilo representava.

Aposto que a esta altura você deve estar se perguntando:

“Mas o que Neoqeav significa?”

Nunca Esqueça O Quanto Eu Amo Você